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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A Interpretação no RPG

Luzes...
 
Suponho que a imensa maioria dos leitores de meu querido Blog conheçam o significado da sigla RPG, portanto não vou me delongar em esmiuçá-lo. Mas jogar RPG não é simplesmente conhecer o significado de uma sigla, é entender os conceitos por trás das três letrinhas e aplicá-los durante cada partida, por algumas horas, buscando divertir-se com seus companheiros de jogo por todos os meios que o jogo permite e estimula.

Nenhum jogador ou mestre de jogo de longa data terá dúvidas quanto ao que falo aqui, no artigo de hoje, mas talvez existam aqueles jogadores iniciantes - ou mesmo alguns que jogam há algum tempo - que tenham lá suas dificuldades ou "travas" para absorver alguns aspectos do jogo. E, longe de chegar a dar tal assunto por concluído, eu pretendo hoje falar sobre o aspecto do jogo que mais facilmente me chama a atenção quando, em vez de ser o Mestre ou Narrador, eu sou jogador (não que o Mestre/Narrador também não o seja, mas isso seria assunto para outra hora...): interpretação.



... Câmera...

Ok. Vamos dar uma revisada nos conceitos e aspectos básicos do jogo, só pra termos certeza aqui de que estamos falando a mesma língua.

O RPG tem como um de seus maiores aspectos - e méritos - ser um jogo sobre contar as emocionantes, intrigantes e interessantes histórias da "vida" de alguns personagens; personagens esses que são criados pelos próprios jogadores, na maioria das vezes, e "controlados" por eles em jogo. Os protagonistas desses enredos vivem em mundos fictícios e fantásticos - muitas vezes fortemente inspirados pelo cotidiano, outras mais carregados de "liberdades poéticas", dependendo do estilo de jogo e do cenário onde as coisas acontecem. Ao longo de cada partida, os jogadores são estimulados a usar intensamente sua imaginação para "desenhar" em suas mentes os fatos, à medida em que ocorrem, e o único propósito de tudo isso é divertir-se. RPG não é um jogo competitivo - é um jogo cooperativo. Algumas pessoas, infelizmente, zombam do jogo por conta desta característica: não há vencedores nas partidas. Em vez disso, todos ganham - ou todos perdem - conforme o grau de interesse que a história desperta, o entretenimento que proporciona e o divertimento que se pode tirar dali, de uma simples história contada por várias mentes criativas.

Mas, ah, putz, desculpe-me se lhe fiz entender mal as coisas: eu não quis dizer que é obrigatório ser fortemente criativo para ser jogador de RPG. Algumas pessoas dizem que o jogo é complicado, que é preciso ser muito inteligente, muito imaginativo, e blá, blá, mas essas inverdades são as famosas "primeiras impressões". O jogo é fácil de jogar, simples, e conquistador.

A propósito, vale dizer que não existe jeito certo ou errado de jogar - mas existem, isso sim, jeitos mais "interessantes", de acordo com o grupo em que se está, com o cenário, o sistema de regras, o contexto, etc. E cada grupo joga do seu jeito, principalmente depois que algum tempo se passa desde a formação do grupo, quando há afinidade, etc.

Mas estou me delongando aqui. Não é meu intuito explicar o RPG a quem já o conhece. A ideia de hoje é falar sobre interpretação, a palavra que estaria no meio da sigla se a escrevêssemos em português (JIP). O que eu entendo por interpretação, aliás, pode ser diferente do que outros entendem, então você, leitor, pode querer dar uma boa pesquisada na internet atrás do assunto depois de ler o meu artigo, mas garanto que vou colocar aqui alguns bons pensamentos pra você se inspirar em jogo - tanto como Mestre/Narrador, quanto como o jogador à frente do escudo...

... Ação!

Interpretar é algo que você pode fazer de várias formas, principalmente no que tange ao RPG. Embora a maior referência seja o teatro, e as técnicas do improviso teatral, você jamais deve se sentir retringido ou coagido a interpretar de uma forma ou de outra porque alguém lhe disse pra fazê-lo.

Em RPG, você pode interpretar, por exemplo, assim:
Narrador diz: O homem à sua frente veste-se com uma camisa elegante, uma calça esportiva e sapatos nitidamente caros. Mas seu jeito impecável de vestir-se é quebrado pelo aspecto surrado, pelas manchas recentes de sangue na altura do peito, e pelas gotas rubras que escorrem de seus lábios, descendo pelo queixo, enquanto ele sorri maliciosamente... O que você faz?

Jogador responde, simulando a voz de seu próprio personagem: Então os boatos eram verdadeiros. Você também se tornou um vampiro, Arthur! Malditos sejam todos os chupadores de sangue, vou acabar com cada um que puder encontrar, nem que para isso tenha que queimar toda a Quintessência de minha alma!

E por aí vai. Você já deve até ter notado que cenário foi usado no exemplo acima... Vamos agora ver essa cena interpretada de outra forma:

Narrador diz: Há um homem na sua frente. Ele está vestindo uma camisa, uma calça esportiva e sapato. Tem uma mancha enorme de sangue no peito e corre sangue da boca dele, enquanto ele sorri como um vilão bem malvadão pra você. O que você faz?

O jogador responde, sem mudar a entonação ou "incorporar" seu personagem: Vou dizer pra ele que eu fiquei sabendo, por boatos, que ele tinha se tornado vampiro. É o Arthur, né, o meu ex-Aliado? Então, aí eu grito pra ele que vou acabar com todos os vampiros que eu puder encontrar, nem pra isso eu tenha que usar todo meu poder.

O que você notou de diferente? Muita coisa, não é mesmo? E o que você acha de cada um dos jeitos? Qual é o seu jeito? Algum deles lhe pareceu mais interessante do que o outro?



Bom, a minha opinião, pra ser honesto, é que eu, você e qualquer um, seja Narrador, seja jogador, dificilmente conseguiria ser tão dramático e "poético" durante o seu roleplay, assim de improviso, como ocorre no primeiro exemplo, por várias razões:
- Os outros jogadores podem estar, e quase sempre estão, conversando entre si, enquanto você interaje com o Narrador;
- Você pode se sentir constrangido de "incorporar" seu personagem;
- Falar de forma pomposa e cinematográfica é bem mais difícil do que escrever assim.

Por outro lado, se quer saber como eu acho que RPG deveria ser interpretado, e é o que eu estimulo meus jogadores a fazer, quando sou o Narrador, fique com o primeiro exemplo. Mas, de forma alguma, eu vou ostracizar um cara que reaja como o segundo jogador. Como eu disse antes, cada um tem o seu jeito de ser, de jogar, de interpretar, e respeito é sempre bom.

De toda forma, o que eu quero dizer é que interpretar nem sempre é como no teatro - às vezes, você não vai falar como seu personagem falaria, nem gesticular da forma que você imagina que ele faria. Interpretar pode ser simplesmente narrar as coisas como estão "ocorrendo" na sua imaginação, pra que os outros membros do grupo possam imaginar de forma semelhante, a partir do que você diz.

Alguns jogadores que conheci através da internet, mencionam que, provavelmente, a tomada de decisões para que o personagem realize suas ações é o fator mais importante do jogo - algo como o cerne dos RPGS -, e entendem que interpretar, por esse ponto de vista, é tomar decisões pelo personagem. Não concordo totalmente com essa visão, pela limitação dada ao conceito de interpretação, mas não discordo de que isso também pode ser interpretar.

Dito isso, pra que você consiga interpretar de maneira agradável e espontânea a cada cena, pode ser interessante tomar alguns cuidados prévios - durante a criação do personagem - e talvez seguir algumas dicas rápidas:

1) Imagine quem seu personagem é no mundo de jogo. Aqui, você estará buscando detalhes de histórico e personalidade que devem transparecer no jeito de o personagem agir, falar, tomar decisões, etc., então você pode devanear um pouco. Um mago de D&D apaixonado pela pesquisa de novos feitiços ou pelos aspectos metafísicos de sua arte poderia ter o hábito de se permitir alguns minutos para tomar notas sobre os monstros encontrados, após cada combate, com o intuito de escrever, num futuro previsto, um "Breve Tratado de Teratologia", que ele pretende apresentar a seus pares, bem ao estilo dos cientistas e doutores acadêmicos. Pensando nesse detalhe que você acaba de acrescentar ao personagem, imagine uma cena de jogo, na prática. "Então, quando todos estão se recuperando dos ferimentos e do cansaço trazido por esse combate, meu mago aparece diante do guerreiro e pergunta: 'Diga-me, amigo, é capaz de me dizer exatamente em que sentido e de que forma você penetrou o corpo daquele zumbi com sua espada, quando desferiu o golpe que fez exaurir-se o poder mágico maldito que o mantinha atado a esse mundo?' "

2) Peculiaridades são sempre legais, quando não são chatas e cansativas. Essa regra é um pouco confusa, mas vale a pena tentar entendê-la. Digamos que você tenha criado um jeito todo exótico para seu personagem falar: pensou num sotaque, em algumas letras que ele costuma errar na pronúncia de algumas palavras, nos trejeitos e gestos, etc. Só que, durante o jogo, você se dá conta que interpretar o cara desse jeito TODA VEZ é cansativo, e também está chateando o grupo e a você mesmo. Pra evitar esse tipo de situação, vale a prevenção, que nada mais é que a antítese da regra anterior: não exagere nos detalhes, porque a simplicidade também pode trazer aspectos interessantes ao seu personagem, e será mais facilmente interpretada ao longo de toda uma campanha. Pra variar, essa regra significa buscar o equilíbrio entre o complexo e o singelo, como você já deve ter imaginado...

3) Interprete seu personagem, não você, mas tome cuidado com as "dores de cabeça". Tomar decisões ao longo da partida deve ser algo SEMPRE baseado nos conhecimentos, costumes, peculiaridades e interesses do personagem, não somente os do jogador. Por outro lado, é importante estar previamente preparado, principalmente porque, em alguns casos, você será levado a tomar algumas decisões em favor da "estupidez", menos estratégicas, e em outros, pode ocorrer conflito entre o que você decide realizar como ação e o que o grupo gostaria que você fizesse, exatamente porque você acredita estar decidindo como o personagem o faria. Aqui, o ponto de equilíbrio precisa ser alcançado da seguinte forma: antes de o jogo/campanha/aventura começar, os jogadores devem descrever uns para os outros alguns aspectos de seu personagem que podem ser criadores de problemas ou de situações estranhas, por assim dizer. Como um todo, discutam se algo pode ser evitado, talvez acrescentando mais uma característica à personalidade ou ao histórico de seu personagem, ou retirando um determinado fator, e faça isso numa boa. Não se esqueça de que todos estão aí pra se divertir, e não pense que é justo estragar a diversão dos outros.

Se uma situação ruim ocorrer em consequência de você interpretar seu personagem como imagina que ele é, a precaução de discutir com o grupo entrará em ação: ou seja, todos já sabem o que você está fazendo, sabem quem é seu personagem, e vão agir de acordo, com muito menos estresse. Essa regra é particularmente importante para magos que usam de muita pompa e demonstram excesso de "autossuficiência" pra falar com seus próprios companheiros de grupo, para Bárbaros que provocam briga com todo mundo, para Malkavian (em Vampiro), para Pooka (em Changeling) e outros personagens geralmente "difíceis de lidar" ( enão estou dizendo que outros também não possam ser).

4) Faça da interpretação parte da diversão! Aqui não temos uma regra, mas um desejo de que você saiba fazer uso das dicas anteriores em pról do seu jogo, seja qual for o sistema ou cenário.

Numa mesa de D&D, GURPS Artes Marciais ou de Street Fighter RPG, sabemos que haverá muitas cenas onde o combate é o foco do jogo; aproveite essas cenas para descrever seus movimentos com algum nível de detalhe (sem exageros), sobre como seu personagem prepara e executa cada manobra, como grita comandos aos seus companheiros ou xingões aos inimigos; a troca de olhar ameaçadora, o ar intimidador, os músculos retesados que seguram firmemente a espada ou a prática surpreendente para folhear as páginas de seu grimório, como se fossem tão simples encontrar um feitiço num livro extenso quanto achar uma lupa no bolso da camisa. Procure se inspirar em livros onde combates épicos ocorrem "corriqueiramente", há um monte de bons títulos de fantasia nas livrarias, e Robert Erwin Howard, Bernard Cornwell e George Martin (ou mesmo Rick Riordan, pra quem não tem medo de ler infanto-juvenis) podem lhe ensinar alguns substantivos e adjetivos interessantes para usar na interpretação de um combate. Todavia, não fique frustrado se a interpretação de cenas assim "amornar" com o ganho de níveis ou experiência de seus personagens - é mesmo mais cômodo apenas rolar os dados e dizer "Eu uso Dragon Punch", e o grupo pode querer reservar a interpretação mais intensa para os combates mais importantes.

Lembre-se, porém, de sempre de adaptar seu modo de jogar ao seu grupo, ou de pelo menos discutir com seu grupo como você gosta de jogar, pra evitar problemas e ter sua diversão garantida, sem prejudicar a diversão de ninguém.